Saturday, November 27, 2010

SOBRE GREVE, MÍDIA E CAOS NO ES

Pessoal, não sei como vocês têm acompanhado a greve de ônibus da Grande Vitória. Eu acompanho MUITO de perto porque sou usuário assíduo do Transcol, e como muitos, fui prejudicado.

Agora, é de se discutir os motivos da revolta da população que levou a uma cena de vandalismo por parte dos usuários na BR 262 na última sexta-feira que levou à depredação de vários ônibus e a paralisação TOTAL do sistema transcol por toda manhã e grande parte da tarde.

Um dos motivos, pelo menos é o que muitos ainda insistem em dizer, é a falta de conhecimento da população sobre seus direitos. Agora vejam: se a população não conhece nem os seus direitos individuais, como dizem os estudiosos, quem dirá os direitos do outro, do coletivo, das diferentes classes sociais e sindicais. Greve é direito constitucional e ela pode ser deflagrada até que uma decisão judicial que afirme ou reafirme benefícios seja tomada. Assim, os grevistas estão em seu total e pleno usufruto de direitos e nada podemos fazer, a não ser, por que não, nos juntar a eles, nos movimentar e reivindicar a mais rápida possível decisão por parte da justiça. Prova maior da pertinência deste movimento foi o indeferimento de um juiz do trabalho para o pedido de finalização da greve por parte da GVBus e do Setpes. Aliás, diga-se de passagem, estes são os verdadeiros culpados pela situação. Já pararam para conversar com motoristas e cobradores sobre o dia a dia de trabalho deles? Façam isso. Há maçãs podres no meio do cesto? Óbvio. Mas o exercício é simples: colocar-se no lugar deles, em muitas situações.

Outro motivo, atrelado indiretamente aos expostos acima, diz respeito ao papel da mídia fútil e hipócrita do nosso estado. Acompanho a CBN e, quando em casa, a TV Gazeta e é impressionante a sutileza dos comentários maldosos sobre a greve. Frases que finalizam a reportagem acabam desestabilizando o usuário estressado e duvidoso e, consequentemente, a paz. O último a ser entrevistado é, claro, um usuário insatisfeito, mesmo após ter havido argumentos bem convincentes de representantes dos motoristas para comprovar as afirmações infundadas da própria mídia. "E quem mais sofre, são os usuários". "Mas a impressão que temos é que não há metade da frota em circulação". "Vamos ver até quando a população aguentará essa situação". "AINDA não há nenhum sinal de tumulto no Terminal Laranjeiras". Ouvi a entrevista de uma cientista política dizendo que a população está mostrando maturidade ao aceitar a greve e questionar a pertinência em detrimento do mérito (justo) do movimento. O âncora em questão, numa demonstração de "sabedoria extrema", numa atitude simplesmente "genial", disse: "mas e onde estão sendo cumpridos os direitos constitucionais da população que por causa da greve não pode trabalhar?". Céus! Os responsáveis por isso não são os motoristas, mas os geradores da insatisfação deles! Nessa mesma manhã, a CBN colocou um repórter em cada terminal rodoviário e de 5 em 5 minutos o âncora os contactava ao vivo para questionar, PURA E SIMPLESMENTE, com essas palavras "como está a situação por aí? Alguma confusão?". Ou seja, onde está o papel da mídia de informar, conscientizar, ler e reler a situação, contribuir para a manutenção da ordem através da percepção real dos fatos? A Gazeta faz de tudo para mostrar a "situação de desconforto social" por parte dos usuários por causa da greve, culpando nas entrelinhas os grevistas, e em nenhum momento cita a incapacidade dos sindicatos patronais (GVBus, SETPES) em dar um passo à frente, fazer um algo a mais, para ajudar a população. Não! A ajuda à população tem que partir única e exclusivamente dos motoristas e cobradores, que devem aceitar a imposição salarial e de condições desumanas de trabalho por parte das empresas e por isso devem voltar ao trabalho, com o rabinho entre as pernas, para não deliberar a ira do povo pobre politicamente. As manchetes do Jornal Impresso, de capa, claro, quase dizem: "revoltem-se!".

Acho que o que temos, no fundo, é uma inveja das classes organizadas. Quem dera, hein, amigos, podermos fazer greve quando nos sentirmos insatisfeitos com as condições de nosso trabalho e o diálogo não ter sido salutar. Podemos? Claro! Mas advogados, farmacêuticos, médicos, professores de instituições privadas, engenheiros, designers são muito menos organizados do que muitas outras classes, inclusive a dos rodoviários. Eles fazem cumprir um direito deles. Nós não. A pobreza política, baseada numa cultura histórica de submissão ao patronato e ao capital, nos fez desorganizados. Agora, não vamos refutar as classes que passaram por cima disso e que de organizadas acabam gerando movimentos que incentivam muitos outros setores da população a reivindicar também. Se a mídia ajudasse, ajudaria bastante. O papel da mídia, me parece, é desconscientizar ao invés de conscientizar. Emburrecer ao invés de acrescentar. Bitolar ao invés de informar. Ela quer é espetáculo. E conseguiu. Fomos parar até nas edições nacionais dos jornais da globo, mesmo em meio à Guerra Civil no Rio de Janeiro: viva! Ponto para o Mário Bonela.