Wednesday, March 29, 2006

O ser do “Ado”

Nasci! Fui retirado, apalpado, banhado... amamentado.
Antes disso, fui amado, adorado, paparicado.
Cresci! Fui amado, odiado, contrariado, bofeteado.
Fui beijado, zombado, renegado e maltratado.
Mas fui inusitado e aclamado, quando precisado.
Fui informado, enganado...
Fui ficando cansado. Enjoado desta vida de retardado.
Descobri que sou complicado, desarticulado.
Se sou amado, meu amor não é dado,
Se sou odiado, viro o rosto para outro lado.
Não sei ser engajado, apenas influenciado.
Em fim, meu cabelo esbranquiçado me mostra um importante dado:
Em algum tempo, não demorado,
Serei velado, enterrado, chorado, rezado...
Mas não conseguirei ser, até então, lembrado.
Pois nesta vida, não somei, fui somado.
E por isso, sou revoltado.

Thursday, March 02, 2006

O Chacoalhar da Lata de Nescau

Eram aproximadamente 19:30h da noite de quinta-feira, quando Sicha assistia a um filme de suspense. Ao lado, Bean, seu amigo. O filme desvendara em Sicha um medo incontrolável por questões “sobrenaturais”, e ele estava compenetrado na seqüência de falas inteligentes do filme. De repente, não mais que de repente, seu celular toca. Um número desconhecido. Precisara pausar o filme para atender o telefonema. “Alô!”, diz, insatisfeito. “Boa noite! Com quem falo?”. “Sicha”. “Parabéns, Sr. Sicha. Aqui é da Central Oi de atendimentos. Você acaba de ganh...” Sicha desliga o telefone, tendo em vista que o número não correspondia a serviço Oi, e também o atendente não era um robô programado para fazer perguntas chatas e tentar te deixar irritado. Muito pelo contrário, ele era simpático. Característica inexistente em serviços de telefonia. Tenta reatar a atenção ao filme. Em vão. O telefone toca novamente. Com o mesmo número... com “medo” do que iria falar, Sicha resolve passar o telefone para Bean, que se incumbira de ficar todo o resto da estória com as ondas cancerígenas irradiadas pelo celular em seu ouvido. “Oi!”, disse Bean. “Oi. Você acaba de ganhar a promoção ‘Oi Realiza Meus Desejos!’", disse o indivíduo.
Ter ganhado a “promoção” significava ter que comprar 6 cartões Oi de 20 reais, e dois produtos Nestlé, em 60 minutos e, em 24 horas, receber em casa: 6 aparelhos de celular Motorolla® V60, Uma TV de 29´, um DVD Semp Toshiba® e um computador Pentium 4. Óbvio que nossos amigos não acreditaram completamente. Mas, a bondade humana, a inocência sobre-humana, e a vontade extra-terrestre de ganhar dinheiro fácil fazem pessoas comuns, felizes e satisfeitas se tornarem pessoas diferentes, descontentes e insatisfeitas.
Anotaram tudo direitinho e saíram correndo pelas ruas de Inocentópolis, cidade onde viviam. Correram como se estivessem participando de uma gincana na escola. Relacionado a isso, estava uma das frases do “indivíduo” ao telefone, de que esta promoção era uma espécie de gincana da Oi. Como entre os produtos a serem comprados se encontravam produtos da Nestlé, carregaram consigo uma bela e metálica lata de Nescau, enrolada a uma bela e plástica sacola amarela. Durante toda a corrida em busca de algum comércio de Inocentópolis aberto àquela hora da noite que vendia cartões OI, Sicha recorda-se muito bem dos barulhos dos farelos do achocolatado chacoalhando por toda a saga. O chacoalhar do achocolatado ficará eternamente chacoalhando a cabeça do garoto.
Eles ainda não acreditavam. Corriam pelo simples fato de temerem um arrependimento posterior caso aquilo tudo fosse verdade. Mas, como todo bom brasileiro, Sicha e Bean receavam o fato inesperado de, dentro de casa, receberem uma ligação que mudaria não só o estado de humor, mas também seus status social momentaneamente. Afinal, é o almejo geral da nação: Conforto financeiro. Quem disser que isso é uma falácia, estará alimentando uma verdadeira falácia.
Pois bem. Lá iam nossos heróis. Um, chacoalhando uma lata de Nescau numa (bela) sacola amarela. O outro, segurando o celular do amigo, e sendo convencido pelo “indivíduo” de que ele falara, até então, meras verdades. Ao mesmo tempo, ambos se perguntavam a todo tempo “Será que é verdade?”. Tentaram, em vão, ligar para os conhecidos números de atendimento ao consumidor OI através de um celular sobressalente que carregaram consigo, pois o telefone de Sicha estava com a bateria prestes a acabar. Não conseguiram falar com nenhum número da Oi, mas, de fato, a bateria de Sicha realmente acabara, e o sobressalente fez-se oficial. Enquanto isso, devagar, iam sendo convencidos pela perspicácia cafagestiniana do “indivíduo”. Percorreram alguns comércios de Inocentópolis, e não encontraram uma loja revendedora Oi com tanta facilidade.
Reivindicaram um telefone qualquer que pudesse comprovar que aquilo era verdade. O “indivíduo” passou um gigantesco número com muitos “oitos” para nossos amigos. Mas, não tinham ainda como ligar para tal número. Inexistia cartão telefônico e crédito em celular de ambos os nossos amigos.
Percorreram padaria, farmácia, posto de gasolina... até que uma bondosa lanchonete foi tida como “salvação” dos heróis. Aproximadamente 15 minutos de corrida encharcaram suas camisas de suor. Chegando ao estabelecimento, ao invés de 6 cartões, a moça tinha apenas 4. “Não tem problema”, disse o “indivíduo”, depois você me confirma que comprou os outros dois. Ainda não acreditavam. Compraram o cartão telefônico e ligaram para o tal número com muitos “oitos”. Atendeu um “indivíduo segundo”, que se dizia trabalhar na Oi, e que confirmara toda a versão do “indivíduo”. Voltaram, ainda insatisfeitos (e só pra ressaltar: com a lata de Nescau dentro da sacola amarela), para o estabelecimento.
O leitor, inteligente e com frieza para analisar os fatos, já deve ter consciência de quantas pistas tinham nossos amigos de que aquilo tudo era uma tremenda roubada. Mas como narrador, cabe a mim salientar:

Primeiro: O telefone que ligara não tinha absolutamente NADA haver com quaisquer conhecidos sistemas de atendimento Oi. Para falar a verdade, ele nem era da Oi, tendo em vista que seus quatro primeiros números eram “9125” e o ramal era “085” (sabe-se Deus de qual parte do país).

Segundo: Ele não tinha estereotipo de atendente. Isso já foi colocado nas primeiras linhas desse episódio.

Terceiro: O “indivíduo segundo” não agradeceu no estilo “A Oi agradece sua ligação. Boa noite”. Deu apenas um “De nada”, respondendo a um “obrigado” de Bean.

Quarto: A Oi nunca ia pedir a um cliente para comprar cartões, sendo que, afinal, ele já é cliente... e já compra cartões normalmente.

Quinto: Desde quando Oi e Nestlé tem promoções conjuntas?

Sexto: Se a promoção realmente fosse beneficiar Sicha, seria impensável que eles ligariam para o celular de Bean caso, por ventura, acabasse a bateria de Sicha. Questões burocráticas, que, ainda bem, não entendemos direito. Mas, resumindo, a Oi não ligaria para um número para dar prêmios a outro número.

Sétimo: Após longos 15 minutos aproximados de correria... “Quanto tempo temos?” “31 minutos”. ‘Hoje o tempo voa, amor... escorre pelas mãos...´. A teoria da relatividade faz-se presente neste álibi assassinado do bom censo humano.

Oitavo: A promoção dizia para comprar 6 cartões... Mas, poderíamos comprar apenas 4... pois é, como a Oi é boazinha.

Companheiros, por aí se vão as entrelinhas obscuras de nossa estória. Obscuras para eles, que viam à frente, uma bela TV 29´. Para o leitor, meras evidências claras de fraude, trote, picaretagem e inocência de nossos amigos.
Descongele agora a imagem de nossos corredores parados no balcão da lanchonete. Eles acabaram de ligar para um, segundo “indivíduo”, e estavam ainda preocupados com o que fazer. Pediram os 4 cartões que a moça tinha. Enquanto Bean tentava manifestar sua preocupação ao “indivíduo”, dizendo que ainda não acreditava, Sicha tentava ligar para a central Oi. Mas lembrem-se: seu celular não tinha bateria. A bondosa moça da lanchonete lhe providenciou um. Foram minutos intermináveis. De um lado, Bean, aderindo à barganha do “indivíduo” e abrindo o primeiro cartão. Enquanto isso, Sicha, pseudo-pacientemente, conversava com uma voz eletrônica da Oi dizendo quais opções e quais os respectivos números das mesmas. Bean rabiscava o segundo cartão, impaciente, querendo saber o que a voz da Oi dizia. Por enquanto nada. Quando conseguir falar com um andróide (protótipo de ser humano, ou seja, uma atendente viva da Oi) começaram as indagações... lembram das perguntas que só servem para irritar? “Qual seu nome, por favor?” “Boa noite, Sr. Sicha. Em que posso servi-lo”. Aí Sicha, contente disse “Eu gostaria de saber se há alguma promoção da Oi chamada ‘Oi realiza meus desejos’.”. “Um momento... Qual o DDD e o número do seu Oi?”. Óbvio que ele não sabia... o celular não era dele. Buscou com a moça que lhe emprestara e descobriu que o celular também não era dela... e sim de uma amiga. Com algum custo, conseguiu o número. “Sim, Sr. Sicha. Agora qual é o nome completo do titular deste Oi”. Piorou-se. Após alguns momentos, o nome foi revelado, pela força da memória pressionada por duas caras de extrema aflição que se encontravam frente a seus rostos calmos e tímidos. “Muito bem Sr. Sicha. Qual a data de nascimento da titular?”. Estourou! Sicha, provavelmente flutuou de tanta agonia perante tamanha ira. Conseguiu reproduzir a pergunta para as já impacientes e intranqüilas garotas. É bom lembrar que enquanto isso, Bean repassava ao “indivíduo” o número do segundo Oi cartão raspado. Já eram R$ 46,00 de prejuízos. A luta continua. Sicha, finalmente, conseguiu reclamar o que lhe havia feito realizar a chamada. “Gostaria de saber, como já disse, se a Oi tem alguma promoção do tipo ‘Oi realiza meus desejos’.”. “Um momento que vou consultar”. Um Diazepan. Não precisava mais nada. Apenas um Diazepan acalmaria, naquele momento, os amigos. Segundos depois... “Olha, existe a promoção X, que dá Y de coisas... e também a promoção Z, que oferece ao cliente Oi N´s vantagens...”. “Minha senhora, eu preciso saber se há, no sistema Oi, alguma promoção que diga ‘Oi realiza meus Desejos’.”. “Olha, tivemos uma no carnaval que...”. “Eu só quero saber se existe alguma promoção ‘Oi realiza meus desejos’, porque meu amigo está na linha, conversando com um “indivíduo” que se diz atendente da Oi, e está nos oferecendo muitos prêmios se comprarmos 6 cartões Oi e dois produtos Nestlé.”. “Olha, meu senhor... o número que te ligou pode ser identificado, ou é confidencial?”. “Eu posso ler o número”... “Olha, o senhor precisa urgente fazer uma queixa contra essa pessoa, pois ele está usurpando de vocês, clientes Oi. Passando os números dos cartões, eles o utilizam de imediato.”. “Obrigado, farei a queixa.”. Desligou o telefone. Tarde demais. Bean, impaciente, já havia dado mais um número de cartão ao “vagabundo, safado, sem vergonha” quando Sicha lhe informou que era farsa. Ficaram se xingando por um bom tempo... “Somos otários!”. Tentaram recarregar seus Oi´s com os cartões comprados... em vão, o “vagabundo, safado, sem vergonha” já os haviam utilizados. As últimas palavras de Bean ouvidas ao celular foram “Vou processar você!”.O r4esultado parcial da Saga, até então eram: Camisas molhadas de suor, cara de desapontamento com seus próprios "eu´s", risos (das moças da lanchonete, claro), e míseros 64 reais. Pra quê se preocupar, né?! 64 reais... Nossa: 64 reais cara...
Despediram-se das bondosas garotas, que confortaram nossos amigos, e foram ao orelhão dar queixa à polícia. A lata de Nescau já não chacoalhava mais como de princípio. A calma ao voltarem pra casa, era fisicamente insuficiente para produzir agitos que chacoalhassem a lata. Chegando em casa, refletiram bastante sobre o ocorrido. A conclusão mais óbvia que chegaram é que “O dinheiro transforma nossos QI´s em nada!”, tendo em vista as inúmeras pistas que foram expostas por toda a trama. Logo depois, chega a viatura de polícia. Cabo Moralis e Soldado Sérius se incumbiram de registrar nosso Boletim de Ocorrência. Cabo Moralis, após muitas lições de moral, não agüentou à seriedade da farda de PM e riu, quando, informalmente, relataram o caso do chacoalhar da lata de Nescau. “Desculpe, disse o CB constrangido”. Enquanto isso, Soldado Sérius anotava os dados da queixa. Mais lições de moral vindas de CB Moralis, e pronto. Tinha-se feito a BO.
Dentro de casa, Sicha e Bean transformaram suas raivas e revoltas em comicidade. Sicha continuou o filme, que já chegara próximo ao fim, e Bean voltara ao tanque, onde lavava roupas. Se há um final feliz nesta estória, não sabemos. Não sabemos quem passou o golpe.